Por Alessandra Pastore
Às vezes me pego pensando neste esporte e em tudo que aprendi com ele.
Bom, quando comecei a treinar eu ia apenas por diversão, era ótimo ver meu irmão e os amigos deles treinando juntos... e o melhor: - eu podia bater neles!!! É claro que quando isso aconteceu... há alguns anos... na verdade há quase duas décadas o tkd ainda não era ensinado como esporte e sim como arte-marcial... uau, garanto que tem praticante hoje que nem sabe disso!!! Brincadeira...
Posso dizer sem qualquer problema que tive experiências no mínimo engraçadas naquele meio predominantemente masculino e machista. Por ser uma menina, logo quando comecei, recebia um tratamento diferenciado e isso irritava os garotos (meu irmão então!!! rsrs).
Enquanto os meninos eram obrigados a executarem todos os movimentos com perfeição eu podia me dar ao luxo de cometer alguns erros, na verdade muitos. Pensando nisso, hoje, pondero sobre a vontade de um Mestre em querer ter uma equipe feminina.
Naquela época, assim como atualmente, o número de mulheres praticando regularmente tkd era mínimo. Mas existiam momentos em que podíamos ver salas de aula lotadas de mulheres... e de repente... buuum... sumiam...
Talvez por isso existia e existe (com alguns mestres) a flexibilização com a classe feminina, apenas como uma esperança de vê-las continuando a treinar. É claro que existem até hoje uns Mestres que não estão nem aí para isso!!! Eu poderia citar alguns aqui... uns bem carrascos... mas eu acabaria pagando uns apoios, quer dizer, respondendo a alguns processos... rsrs
No meu tempo as primeiras aulas eram dedicadas à filosofia. Não pensem que o Mestre nos dava um livro para ler, nada disso! Ele convocava um faixa amarela, ou até mesmo um ponteira amarela, e o mandava nos ensinar. Depois ele perguntava em voz alta para saber se realmente tínhamos aprendido.
A filosofia, a história, a ética, a honra e a moral faziam parte das aulas assim como os exercícios de aquecimento e alongamento.
Talvez eu esteja romanceando demais o passado, assim como fazem todos os que tem recordações... mas tive o privilégio de ter tido um grande Mestre. Para mim, enquanto aluna, ele foi o melhor! E será sempre o Meu Mestre!
Treinei com outros professores (hoje já mestres) mas nunca consegui levar adiante... era como se estivesse faltando algo. Afinal, em qual academia da cidade nós (os alunos) poderíamos ser tratados como o Daniel Sam(Karatê Kid)?
Quantas vezes nós tivemos que lavar a geladeira?
Ou lavar roupa?
Ou mesmo fazer uma faxina na academia? Rsrs...
Tinha dias que só de lembrar disso dava desânimo... mas nunca desânimo suficiente que me fizesse desistir... aprendi a humildade ali, aprendi a respeitar os mais velhos e a respeitar a hierarquia... (eu era uma pré-adolescente um tanto rebelde) mas aprendi a ter orgulho também, orgulho por ter uma academia sempre limpa e arrumada, orgulho por fazer parte de uma equipe, orgulho por ter tido um Mestre e não apenas um treinador.
Sinto saudades da academia em cima do restaurante... das raquetes voando pela janela para cair em cheio em um prato recém chegado da cozinha melando todos na mesa... das sextas-feiras (dia em que a maior parte da aula era dedicada às lutas)... das saltenhas antes dos treinos... dos hematomas... do gelo sempre a disposição... das algas que o Mestre nos obrigava a comer... dos amigos que tomaram outros rumos... das equipes de demonstração e dos quebramentos... das brincadeiras... das viagens... da seriedade de como o tkd era tratado... enfim... dos tempos idos porém não findos no meu coração.
Desses tempos me lembro da emoção de um exame de faixa e como ele era tratado como “o acontecimento”!
Nada de exames todos os meses ou feitos apenas com um, dois, três alunos... Ahhh, existem fotos históricas de exames em ginásios por conta do grande número de alunos... aquilo sim era exame!!!
Mesmo os que não iriam fazer queriam participar e entravam no banco só pelo prazer de estar ali e, é claro, de poder chutar algum desavisado!!!
Lembro do primeiro chute que levei no rosto... lembro da primeira vez que acertei a cabeça de alguém e ele caiu... lembro da primeira vez que caí... lembro do meu primeiro campeonato, do meu primeiro exame... e do resultado! Lembro que os exames eram realizados aos sábados e que nas segundas pela manhã o Mestre colocava o resultado no mural... eu filava aula só para saber o resultado... pensando sempre no 80... aí vinha Claudio (Luis Claudio – LTC) e humilhava com 83, 84... rsrsrs. Ele sempre foi ótimo!!! Como pessoa, como atleta, como aluno, como amigo... e depois como professor.
Os anos foram passando... desde que meu Mestre foi embora eu parei e voltei a treinar diversas vezes... mas nunca abandonei o Tkd! Assim como muitos que fazem parte dele sem nunca terem vestido um dobok eu continuo aqui...
Aprendi que os amigos de honra permanecem, que os atletas se aposentam e que os mais velhos sempre serão “os mais velhos praticantes” (quase imortais)... devo citar exemplos??? melhor não...
O que seria da história sem os personagens? E o tkd baiano teve personagens inesquecíveis. Cabe agora aos que gerem as organizações e associações se fazerem presentes para sempre elevar o tkd sem que se esqueçam dos seus personagens atuais e passados. Afinal, muitos brigaram, lutaram e até se exasperaram para que o presente (momento atual) fosse possível.
Salve, salve tkd baiano!!!
PS.: Se eu pudesse citar nomes...
Poderia contar como Mestre Ivan quando era faixa colorida chegava nos campeonatos fazendo arruaça... como a família Leite sempre foi presepeira (no bom sentido) e participava ativamente do TKD. Era mais ou menos assim: quando as chaves já estavam todas prontas, sempre aparecia mais um Leite para lutar. Em todas as categorias tinha um Leite... acho que conheci umas 4 gerações de Leite e todas lutaram... A Prefeitura de Dias D’Avila já sabia que em época de campeonato tinha que reservar no mínimo 3 ônibus (só para a família)!!! RSRSRSRSRSRSRS (ERA UMA FESTA!!!)
Alessandra Pastore é Jornalista, praticante de Taekwondo filiada ao Combate Clube, mãe de atleta e neste momento está "pagando apoio" por ter contado sobre a presepada da Familia Leite... (nem era assim...)